O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, nas políticas externas brasileira e chinesa nas negociações climáticas

 

por Jefferson dos Santos Estevo

As mudanças climáticas e suas consequências negativas para o planeta são irreversíveis, e, portanto, há a necessidade de pautar as negociações internacionais na definição de um limite máximo de aumento da temperatura global. Para tanto, as negociações globais tiveram início durante a Rio-92. As negociações internacionais dividiram os países em dois grupos, um formado por países com metas globais obrigatórias de redução de emissões dos gases do efeito estufa e outro por países sem compromissos de redução de emissão. O compromisso de redução das emissões está pautado no princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (RCPD), o qual define maior responsabilidade para países desenvolvidos, por apresentarem um longo histórico de emissões de gases do efeito estufa na atmosfera (VIEIRA, 2012).

Brasil e China indicaram metas de reduções de emissões voluntárias durante a COP-15, indicando uma modificação em suas políticas externas. Porém, mesmo com a indicação de metas voluntárias, o posicionamento de ambas as nações nas negociações ainda é pautado nesse princípio, baseando-se em emissões anteriores a 1990. Os dois países atuam nos mesmos grupos de negociações, o G-77 e China e após a COP-15, no grupo BASIC ( Brasil, África do Sul, Índia e China). A posição negociadora do Brasil é defensiva, e vai de encontro aos interesses dos dois grupos (VIEIRA, 2012).

A China é pressionada internacionalmente para ter metas obrigatórias de reduções, já que é o maior emissor global. Porém, o governo chinês se apoia no princípio RCPD, defendendo a autonomia chinesa em redução de emissão, indicando apenas metas voluntárias de emissões. Os países desenvolvidos ainda são os principais causadores do aquecimento global, devido suas emissões históricas. As negociações climáticas devem considerar uma maior justiça nas negociações, ou seja, considerar o histórico e melhores condições dos países desenvolvidos (HUNG, TSAI, 2012; VIOLA, FRANCHINI, RIBEIRO, 2012; STANLLEY, 2013;YU, ZHU, 2015).

Brasil e China são atores centrais nas negociações climáticas. O Brasil foi ator central nas negociações na COP-21. O acordo de Paris visa não aumentar a temperatura global em até 2 graus Celsius, o que agravaria em muito as mudanças climáticas. Os países indicaram metas de reduções de emissões, que serão revisadas a cada cinco anos, tendo como base o aumento da temperatura global. Apesar da indicação de metas voluntárias de diversos países, as atuais reduções não são suficientes para alcançar a meta de não aumento da temperatura. Os países indicaram para COP-21 em Paris, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (CND), que expõe o pretendido do país no combate as negociações climáticas. A China foi um dos primeiros países a indicar suas metas para o período pós 2020. As reduções voluntárias chinesas estão entre 60% até 65 % em relação ao ano de 2005 e 20% da matriz energética baseada em energia renováveis, ambos até o ano de 2030 (CHINA’S INTENDED NATIONALLY DETERMINED CONTRIBUTIONS, 2015). O Brasil foi um dos últimos países a indicar suas metas voluntárias. Em relação ao ano de 2005, até o ano de 2025 o Brasil propõe a redução de 37% e até 2030 redução de 43 % (FEDERATIVE REPUBLIC OF BRAZIL INTENDED NATIONALLY DETERMINED CONTRIBUTION, 2015).

As CND de ambos os países reiteram as responsabilidades históricas dos países desenvolvidos e a adoção dos princípios das RCPD. Apesar de metas consideráveis de reduções, Brasil e China pautam suas políticas externas climáticas no mesmo princípio, salvaguardando a soberania e o desenvolvimento. O posicionamento dos países mudou sensivelmente com reduções voluntárias, porém mesmo com altos índices de emissões, ainda delegam as responsabilidades aos países desenvolvidos. No que tange ambas as políticas externas climáticas, o principio RCPD isenta Brasil e China de maiores responsabilidades.

Ambos os países defendem a soberania em decisões internas, autonomia para o desenvolvimento e obrigatoriedade dos países desenvolvidos nas reduções de emissões. Brasil e China defendem ao longo dos anos, junto aos grupos G77 e BASIC, o princípio RCPD, não aceitando metas obrigatórias. Apesar de estarem no grupo dos maiores emissores, Brasil e China se apoiam no princípio, assim mesmo com pressões dos países desenvolvidos, não têm metas obrigatórias. Sendo assim, o principio RCPD respalda a não obrigatoriedade dos países em desenvolvimento, de não assumirem maiores responsabilidades nas negociações climáticas, mesmo sendo responsáveis pela maior parcela das emissões (BORTSCHELLER, 2010).

As responsabilidades históricas são dos países desenvolvidos, devido as emissões de GEE ao longo dos anos. Porém, as emissões dos países em desenvolvimento já correspondem a maior porcentagem global. O princípio da RCPD foi acordado em 1992, em virtude das emissões no período. Atualmente as emissões são diferentes, centradas nos países em desenvolvimento. Diante disso, a hipótese levantada é: Apesar dos altos níveis de emissões de GEE, Brasil e China se apoiam no princípio “das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, pois não aceitam possuir metas obrigatórias de redução de emissão e demandam maior participação dos países desenvolvidos.

Apesar de ambos os países indicarem metas voluntárias nas recentes negociações, Brasil e China são desde o início das negociações contrário a metas obrigatórias aos países em desenvolvimento. Ao longo das negociações o principio RCPD é central nos grupos G77 e China e no BASIC, aos quais Brasil e China fazem parte. Um acordo global em Paris, durante a COP-21, só foi possível com a participação dos países em desenvolvimento, principalmente Brasil, China e Índia. As mudanças climáticas já são um problema global, com consequências negativas em diversas localidades. Os países acordaram em um aumento da temperatura global em até no máximo 2 graus Celsius. Para que a meta seja alcançada é necessária a contribuição de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Porém, os países em desenvolvimento não aceitam metas obrigatórias de mitigação, apenas voluntárias. A pergunta central da pesquisa é: Em negociações internacionais climáticas, o principio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, norteia as políticas externas chinesa e brasileira? Para a nossa análise definimos como marco-temporal as atuais negociações climáticas, iniciadas em 2010 e 2015, com a adoção de metas para o período que se iniciará após 2020.

 

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Artigos Relacionados com a mudança de governo Dilma – Temer:

1) Nota do Observatório do Clima sobre o discurso inaugural de Michel Temer

O discurso inaugural do presidente em exercício Michel Temer, tal qual seu rascunho de programa de governo, primou pela ausência de qualquer menção a desenvolvimento sustentável. Temer parece repetir sua antecessora, que nunca considerou o meio ambiente e o combate às mudanças do clima como partes de uma estratégia de desenvolvimento do país e que sempre se referiu a “sustentabilidade” para qualificar a palavra “crescimento”.

Não há solução possível para a gravíssima recessão que o Brasil enfrenta que não passe por aproveitar as vantagens comparativas do país na economia verde: inovação tecnológica, eficiência na agropecuária, energias renováveis e construção de resiliência nas cidades.

Temer dá uma sinalização positiva ao trazer o deputado Sarney Filho para o Ministério do Meio Ambiente; mas errará se insistir apenas nas velhas receitas monetaristas e fiscais de curto prazo como solução para a economia, às expensas do capital natural do país.

André Ferretti
Coordenador geral

Obsrvatório do Clima é um rede de ONGs envolvida na questão climática.

 

 2) O nome cotado para o Ministério do Meio Ambiente

O nome cotado para o Ministério do Meio Ambiente numa futura gestão Michel Temer é o deputado federal Sarney Filho (PV), o Zequinha Sarney, como é mais conhecido. Filho de José Sarney e irmão de Roseana, ele ocupou a pasta no segundo mandato de Fernando Henrique (1999 a 2002).

Ambientalistas não desgostam do nome, que agiu no Congresso para evitar uma deterioração pior do Código Florestal. Também se considera que ele é aberto ao diálogo com ambientalistas e com a comunidade científica. “Mas só ser preocupado com o ambiente, dependendo da configuração do governo, não é bastante para ser um bom ministro. Afinal, ele vai ter de negociar com outros nomes como provavelmente Blairo Maggi na Agricultura. E aí é ver quem vai ser mais forte”, disse Paulo Barreto.

3) Ministério das Relações Exteriores

O senador José Serra poderá ser nomeado ministro do Exterior num eventual governo Temer. Depois de 13 anos de PT, é um sinal inconteste das ambições mudancistas do vice-presidente.

Serra possui as credenciais para o cargo. Além de ser um crítico da diplomacia lulista, no passado ele liderou a iniciativa brasileira mais ambiciosa e bem sucedida de questionar e reformar o ordenamento internacional: a quebra de patentes de remédios. Aquela negociação mudou para sempre a relação das grandes farmacêuticas com países em desenvolvimento. Se tem alguém qualificado para chacoalhar a política externa depois de 13 anos de PT é ele.

No entanto, a eventual ida de Serra para o Itamaraty terá profundo impacto sobre a condução da política externa. Afinal, ele seria o primeiro chanceler com peso político próprio em muito tempo.

A última vez foi há um quarto de século, quando o senador FHC foi chanceler do presidente de transição Itamar Franco. Aquela conjuntura era tão peculiar que FHC terminou ganhando ascendência política sobre Itamar, cacifando-se para virar seu ministro da Fazenda e, na sequência, consagrar-se como candidato oficial à sucessão.

Não será assim com Temer e Serra, que têm uma relação mais igualitária e podem vir a desenvolver competição intensa até outubro de 2018. Esse equilíbrio tenso entre presidente e chanceler, se ocorrer, determinará os rumos da diplomacia brasileira neste período transitório.

Cada decisão do chanceler será medida pela régua da competição com o Palácio do Planalto. Cada pedido de orçamento ao ministério do Planejamento para tirar o Itamaraty da dramática crise financeira em que se encontra, também. O mesmo vale para os passos que o chanceler tentará dar para reorientar a política externa do país.

Tem como algo assim dar certo? Claro que sim. Barack Obama e Hillary Clinton eram competidores brutais e amargos inimigos pessoais antes de virarem presidente e chanceler, numa convivência artificial, porém eficaz, que lhes permitiu acumular sucessivos êxitos na área externa. Apostaram na confiança interpessoal como blindagem contra eventuais acidentes de rota, e funcionou.

Nos últimos dias, Temer e Serra sentiram na pele os riscos potenciais de seu relacionamento ficar à mercê da intriga, que é o pão cotidiano de Brasília. Lançou-se no mercado de apostas que Serra levaria consigo para o Itamaraty o portfólio de comércio exterior de outro ministério. Como proposta, a ideia é questionável e de difícil execução. Como balão de ensaio, é o tipo de informação bem plantada que pode ganhar a força necessária para levar a pique um relacionamento que nem sequer começou.

 

Fontes:

http://www.observatoriodoclima.eco.br/nota-do-observatorio-do-clima-sobre-o-discurso-inaugural-de-michel-temer/

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/matiasspektor/2016/05/1767931-serra-chanceler.shtml

http://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/ambiente-se/dilma-e-a-gestao-ambiental/

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,temer-e-o-partido-do-itamaraty,10000050662