Projeto investiga acesso e permanência de indígenas e quilombolas no ensino superior

Indígenas e Quilombolas no Ensino Superior – Análise das políticas de acesso e permanência

Projeto aprovado no Edital “Programa de Pesquisa em Políticas Públicas” (PPPP, 2023)

Instituição Sede: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp)

Pesquisadores:

José Maurício Arruti (Pesq. Responsável) e Chantal Medaets (Pesq. Associada)

Instituição Parceira: Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (Sesu-MEC)

Gestor responsável: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca

Resumo descritivo 

Desde os anos 2000, e sobretudo a partir de 2012, com a Lei Federal 12.711/12, conhecida como Lei de Cotas, as fortemente seletivas universidades públicas brasileiras passaram a receber cada vez mais estudantes que tradicionalmente ficavam delas excluídos (Lloyd, 2016; Daflon, Feres Júnior e Campos, 2014). Se os programas de ação afirmativa (doravante AA) destinados a estudantes de baixa renda e a negros se realizam por meio de reserva de vagas ou bonificação, para promover o acesso de indígenas, quilombolas e por vezes de pessoas de outros grupos ditos de populações tradicionais, um número crescente de universidades tem organizado um processo seletivo distinto, exclusivamente direcionado a esses candidatos. A especificidade desse público, em particular de indígenas e quilombolas, é também reconhecida no tratamento diferenciado que recebem no Programa Bolsa Permanência (programa federal de assistência estudantil), que lhes atribui bolsa em valor superior ao de outros estudantes de baixa renda. 

Apesar das suas diferenças culturais substantivas, essas populações, que passaram por processos de extermínio, escravização, deslocamentos forçados e apagamento cultural análogos, possuem atualmente status jurídicos convergentes. O Estado brasileiro lhes reconhece o direito às terras que ocupam de forma tradicional e institui um sistema educacional diferenciado, que deve considerar não apenas suas dificuldades históricas de acesso à educação, em todos os níveis, como valorizar suas práticas e saberes tradicionais. Com base nisso, muitas universidades têm construído AA especificamente a eles destinadas. O entendimento de pesquisadores da área (Luciano, 2019; Nascimento, 2022) é, efetivamente, de que o componente PPI (pretos, pardos e indígenas) da Lei de Cotas não atendente de maneira suficiente a indígenas, pois não há nenhuma forma de verificar que as vagas sejam efetivamente ocupadas por este segmento, já que eles são indistintamente incluídos no grupo PPI.   

Este projeto tem, portanto, como foco principal, políticas públicas em execução, na medida em que busca mapear e analisar as  iniciativas já desenvolvidas pelas Instituições de Ensino Superior, embora ainda na ausência de uma diretriz nacional que as regulamente para além do que faz a Lei de Cotas. Buscamos ainda trazer insumos para a avaliação e eventual remodelagem de programas públicos que regulam o ingresso ao Ensino Superior público, como o SiSU – Sistema de Seleção Unificada, que realiza uma seleção de caráter nacional com base nos resultados do ENEM, e políticas de assistência estudantil, como o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES e o Programa Bolsa Permanência – PBP. Essas políticas estão sob a responsabilidade da Secretaria de Ensino Superior – SESu, no interior do Ministério da Educação, instituição parceira do projeto.  

A Lei de Cotas prevê a reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, destinando parte das vagas para os que possuem renda familiar bruta de até 1,5 salário mínimo per capita. Dentro das cotas para escola pública também são reservadas vagas para pessoas que se declaram pretas, pardas, indígenas e pessoas com deficiência, conforme as proporções identificadas no Censo Demográfico mais recente disponível.

Quanto aos procedimentos de pesquisa envolvidos, há análise de bases de dados existentes, elaboração de um banco de dados a partir da leitura de editais das universidades e produção de dados de cunho qualitativo, provenientes de etnografias. Esperamos, assim, como resultados, produzir uma análise detalhada das iniciativas de adoção de AA para indígenas e quilombolas, buscando uma ampla e detalhada visão de sua extensão e variedade, com base tanto em dados disponíveis no INEP e na SESu, quanto em dados complementares, levantados diretamente junto às instituições de Ensino Superior (doravante IES).

Associado a isso, os materiais etnográficos trarão dados qualitativos tanto sobre a experiência de estudantes quanto sobre os detalhes dos processos internos nas universidades desencadeados pela presença destes estudantes na instituição.

A combinação desses elementos, cuja produção já está em desenvolvimento no âmbito do Centro de Pesquisa de Antropologia de Processos Educativos – CeAPE e do Laboratório de Pesquisa e Extensão com Povos Tradicionais, Ameríndios e Afro-americanos – LaPPA, sediados na Unicamp, permitirá avanços científicos na direção de uma compreensão global de diferentes aspectos da presença indígena e quilombola nas IES. Estes avanços, por sua vez, ao informarem processos de avaliação e remodelagem das políticas públicas relacionadas, devem permitir aprimorá-las e torná-las mais eficazes no combate a desigualdades. 

A produção e análise de dados propostos por esta pesquisa representam importante contribuição às políticas desenvolvidas no âmbito da Instituição Parceira, a Secretaria de Educação Superior (Sesu),  cuja atribuição é planejar, orientar, coordenar e supervisionar o processo de formulação e implementação da política nacional de educação superior. Este projeto contribuirá especialmente à sua função de propor e executar programas voltados para a ampliação do acesso e da permanência de estudantes na etapa da formação superior, de pelo menos 3 formas.  Oferecendo uma avaliação da execução da política, como também por proporcionar olhar ampliado que considera um conjunto de IES para além daquelas que participam do SiSU ou que estejam no PNAES, particularmente as Universidades Públicas Estaduais. Produzindo conhecimento sobre as iniciativas que envolvem o acesso e a permanência realizadas pelas universidades é uma etapa fundamental para as discussões em curso no MEC que têm considerado tanto a unificação como a reformulação dos programas de permanência (PNAES e PBP), inclusive tendo em vista Projetos de Lei em discussão no Congresso Nacional. E, finalmente, produzindo um amplo mapeamento das diversas modalidades de AA realizadas pelas IES.

O projeto, portanto, produzirá dados que serão utilizados tanto na avaliação como para a correção de rumos das políticas de acesso atualmente em desenvolvimento e que se encontram em processo de reconstrução diante dos acontecimentos dos últimos anos em que atores importantes do governo federal desvalorizaram o ingresso no Ensino Superior e houve significativa redução nas inscrições para o SiSU, Fies e Prouni. Deve-se considerar, obviamente, o impacto da pandemia neste processo, porém a diminuição é identificada desde 2017, caracterizando um processo anterior e que afastou o Brasil do cumprimento da meta de ter 33% de taxa líquida de matrículas no Ensino Superior (era 24% em 2021), conforme preconizado no Plano Nacional de Educação para 2014-2024.

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